A minissérie que derrotou "Bebê Rena" e mudou um país
"Mr Bates vs The Post Office" acabou com a sequência de vitórias da Netflix ao vencer o Bafta TV. E foi além.
Desde que foi lançada, em abril de 2024, “Bebê Rena” virou o bicho-papão dos prêmios. Entre tantos, venceu o Critics Choice, o Globo de Ouro e, o mais importante, o Emmy.
Faltava a volta olímpica com o troféu na mão diante da sua torcida: o prêmio Bafta TV, o mais prestigiado do Reino Unido, país de produção da minissérie de Richard Gadd.
Era favoritaço. Não apenas por sua bagagem de troféus e reconhecida qualidade, mas por ter o Golias da Netflix bancando sua trajetória vencedora.
Mas o Golias encontrou seu Davi no último domingo (11), no imponente Royal Festival Hall, em Londres.
“Mr Bates vs The Post Office”, uma pequena série em quatro partes bancada por uma emissora pública da TV aberta inglesa, surpreendeu a todos ao ganhar o Bafta de Melhor Minissérie do Ano, mesmo tendo sido lançada no distante janeiro de 2024.
E essa nem foi a principal vitória da produção protagonizada por Toby Jones.
Seu impacto foi sentido até mesmo na alta corte britânica. De juízes ao Primeiro-Ministro.
A minissérie dirigida por James Strong, da ótima “Broadchurch”, uma das melhores séries policiais da história da TV inglesa, conta a história de um dos maiores escândalos judiciais da história do país do Rei Charles.
Durante 1999 e 2015, centenas de gerentes de agências postais foram incriminados por fraude ou roubo das contas dos correios locais, que funcionam sob tutela do governo inglês e possuem autonomia até de ordem de prisão.
Esses casos aconteceram logo depois da implantação de um sistema de finanças computadorizado chamado Horizon, um software desenvolvido pela multinacional Fujitsu.
Neste período, os acusados alegavam que o sistema mostrava que o caixa sempre estava negativo no fim do dia e que, às vezes, triplicava o valor sem a menor explicação e diante dos seus olhos.
A resposta dos correios era sempre ignorar tais apelos e imputar os erros aos gerentes, alguns colocando dinheiro do próprio bolso para não ficarem em débito e serem impedidos de seguirem com as concessões dos correios britânicos. Mas havia pessoas com dívidas em milhares de libras. E o contrato era claro: os gerentes eram responsáveis por todas as perdas.
Isso levou alguns ao suicídio. Várias pessoas entraram em depressão profunda. Homens e mulheres sem ficha criminal foram presos por roubo. Ou admitiram culpa diante da corte para evitar isso.
Mas não Alan Bates (Jones), o tal Sr. Bates do título.
Ele se recusou a assinar as baixas diárias geradas pelo computador na sua pequena agência em uma cidade no País de Gales e nunca admitiu seu erro. Seguiu a vida até que os correios fecharam seu negócio sem a menor cerimônia. Tudo que investiu com a mulher (Julie Hesmondhalgh) foi tirado dele.
O casal se mudou para o interior do país, mas Bates nunca desistiu de investigar a injustiça pela qual passou: formou uma associação com centenas de vítimas e foi atrás dos poderosos e intocáveis rostos por trás do correio real.
A minissérie criada pela jornalista e roteirista Gwyneth Hughes conta toda a luta destes personagens de uma maneira hipnótica e contagiante. É tudo que se espera de um drama britânico de televisão aberta, de cenários belíssimos a inserções culturais específicas, estrutura impecável de roteiro para público geral e um desfile de interpretações gloriosas de um elenco numeroso que pincela atores de “The Crown”, “Downton Abbey”, “Harry Potter” e “Doctor Who”.
A fórmula foi vista por mais de 13 milhões de espectadores na época do lançamento. E, como o caso real tem repercussões até hoje, um novo -e enorme- interesse público ressurgiu após a estreia da minissérie, gerando matérias e petições que culminaram com a revogação de uma honraria dada pela rainha a Paula Vennells, que fez de tudo para esconder as falhas do sistema de computadores das autoridades quando era CEO dos correios britânicos.
O impacto de "Mr Bates vs The Post Office" foi tão grande que Rishi Sunak, o então Primeiro-Ministro britânico, anunciou uma nova legislação para reverter judicialmente as condenações dos gerentes postais acusados e condenados injustamente. Além disso, um pagamento de 75 mil libras foi reservado para alguns dos afetados, além da criação de um orçamento de 1 bilhão de libras para pagamentos de compensação.
Tudo isso dentro de três semanas desde a estreia da produção na Inglaterra.
Toby Jones, em entrevista à BBC, disse que estava “muito orgulhoso” das consequências da minissérie: “Já houve muitos dramas no passado que exerceram influência política, mas nenhum de forma tão urgente e direta quanto este”.
Não é exagero, considerando a linha de tempo.
A minissérie não está disponível no Brasil. O que é uma pena, mas não é algo inesperado.
Ela não desperta o interesse de compradores estrangeiros.
Tanto que a ITV engoliu um prejuízo de 1 milhão de libras com ela, mesmo após todo o sucesso de audiência e crítica. Hoje em dia, séries sem apelo internacional sofrem para serem financiadas porque as vendas para outros territórios correspondem a boa parte dos lucros destas produções.
Já que nada mudará neste aspecto específico, você pode usar um VPN para assisti-la no site oficial da ITV.
Davi aprovaria.
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