"Aquaman 2: O Reino Perdido" é o fim adequado de um dos grandes erros da história do cinema pop
Sequência caótica dirigida por James Wan finaliza a era do DCEU, que mirou na Marvel e acertou em "Batman e Robin".
Executivo de Hollywood nunca aprende as lições certas.
Quando a trilogia “O Cavaleiro das Trevas” se tornou um dos maiores sucessos recentes da Warner e resgatou o Batman, herói ícone do seu portfólio, das garras do kitsch, o estúdio não pensou em como esses filmes funcionavam exatamente por entregar cinema de verdade. A conclusão foi:
“Vamos dar um tom mais sombrio para todos nossos heróis.”
Christopher Nolan, então, recebeu a chave da casa, apresentou uma ideia e a repassou para Zack Snyder, queridinho do estúdio desde “300”, comandar a nova apresentação dos heróis da editora DC -Batman, Superman, Mulher-Maravilha, Flash, Lanterna Verde etc.- no cinema.
Snyder é gente finíssima e empolgado com o que faz. Vi isso em primeira mão, não apenas cobrindo “300”, mas cobrindo o set de filmagens de “Watchmen” no frio negativo de Vancouver.
O problema é que Snyder é fã de quadrinhos. E se acha o representante deste segmento mais radical dos gibis, aqueles que acham que cinema e HQ são mídias idênticas. Não são. E, para funcionar, elas devem ser encaradas de maneira diferente.
Lembro até hoje de ir a uma San Diego Comic Con, convenção de quadrinhos que se tornou plataforma de lançamentos hollywoodianos, e perceber que muitos artistas estavam ali exibindo seus novos gibis como plataforma de chamariz de estúdio. Ninguém estava mais fazendo quadrinhos para quadrinhos, mas para séries e filmes. Eram storyboards que exalavam desespero.
Ironicamente, um dos roteiristas mais celebrados e influentes de Hollywood, Grant Morrison, foi o primeiro a rebater essa tendência, ressaltando que as HQs têm a oportunidade única de elevar a imaginação dos seus autores sem os limites de orçamento e a pressão de agradar comitês de vendas para milhões.
Muitos ouviram. Outros não.
Snyder é um fã. E um diretor que comprou seu próprio hype. Tanto que todos seus filmes fazem questão de ressaltar a palavra “visionário” nos seus trailers.
Com o aval de Nolan, que também não é infalível, apesar de muito mais cineasta que o colega, Snyder criou um Superman sem brilho, alma ou piedade em “O Homem de Aço”, em 2013. Ele achou que estaria atualizando o personagem como Nolan atualizou Batman. O kryptoniano virou uma peça menor diante de uma invasão alienígena à Terra. Nenhum glamour ou impacto veio da presença de um ser extraordinário entre meros mortais, já que o planeta estava boquiaberto com a existência de uma raça extraterrestre. E, no fim, ainda fez de Superman um assassino que julga e executa.
A Warner, em seu desespero para tentar alcançar a Marvel em tempo recorde, se animou com US$ 600 milhões de bilheteria mundial de um filme que custou mais de US$ 200 milhões e ostentou o herói mais conhecido da cultura pop.
Erro crucial.
Ela acelerou seu “Vingadores da DC” com “Batman vs Superman: A Origem da Justiça” que uniu os dois maiores ícones dos quadrinhos. Não conseguiu boas críticas e nem alcançar a marca de US$ 1 bilhão.
Mas o estúdio, como foi confirmado anos depois, vivia um caos interno de mandos e desmandos, decisões estapafúrdias, dívidas bilionárias e guerras de poder entre executivos. E assim o plano de unir os maiores heróis da DC continuava sem questionamentos.
“Uma hora, isso vai ter de colar”.
Por um momento, parecia que daria certo. “Mulher-Maravilha”, mesmo com seus defeitos, rendeu mais de US$ 800 milhões. “Liga da Justiça” poderia funcionar, afinal.
Mas uma tragédia se abateu sobre a família de Snyder e ele teve de abandonar o projeto. No seu lugar, colocaram Joss Whedon, de “Vingadores”. Com estilo completamente diferente do cineasta anterior, Whedon criou um Frankenstein que conseguiu atrair menos público que os longas anteriores.
Parecia o fim do DCEU como planejado. Mas “Aquaman” (2018), logo ele, um dos personagens menos respeitados do catálogo da editora ao ponto de virar “filme falso” na série “Entourage”, chegou com pompa, rendeu mais de US$ 1 bilhão e deu um novo gás ao universo.
Cinco anos mostraram que não se pode enganar o público por tanto tempo. Fracassos sucederam fracassos. Centenas de milhões de dólares foram jogados no lixo. A Warner mudou de mãos e parou de acreditar que repercussão no Twitter seria sinônimo de bilheteria, já que dificilmente seria sucesso de crítica.
No meio de um plano que já estava em andamento, o estúdio tirou o plugue da tomada. Decidiu recomeçar tudo sob a tutela de James Gunn e sem a participação de Snyder.
O que era um universo compartilhado virou um fardo. Ficou a lição de que não adianta pensar em plano de dez anos sem fazer cinema de verdade filme por filme.
Os fãs, acostumados a essa alimentação de fast-food, que sacia o estômago no almoço por cinco minutos e já anuncia a vontade de jantar, abandonou de vez o DCEU.
Virou um zumbi completo.
No mesmo ano, três enormes fracassos: “Shazam! Fúria dos Deuses”, “Flash” e “Besouro Azul”.
O mais assustador, os três apelando para diferentes projetos de marketing: continuidade de comédia boboca, saudosismo inútil e representatividade latina fajuta.
Nada funcionou.
Faltava a cereja no bolo.
“Aquaman 2: O Reino Perdido”, continuação do sucesso mais inesperado do estúdio.
E um dos piores longas feitos pela humanidade.