"AQUI", novo filme de Robert Zemeckis, é fiel, mas banal
Adaptação da HQ de Richard McGuire reúne equipe e elenco de "Forrest Gump", mas tropeça em história comum e piegas.
Há exatos 20 anos, fiz minha única entrevista com Robert Zemeckis.
Na época, o cineasta de “De Volta para o Futuro”, “O Náufrago” e “Forrest Gump” estava finalizando seu “O Expresso Polar”, filme que é um dos pilares da popularização do motion capture no cinema.
A entrevista saiu na revista “SET”. Não lembro de muita coisa, mas algo ficou comigo para sempre.
Quando perguntei para Zemeckis sobre o futuro do cinema, ele respondeu sem pestanejar algo como: “Os novos Spielberg, Lucas e Zemeckis sairão da indústria dos games”.
Zemeckis estava errado.
A indústria dos games ficou maior que Hollywood e começou a tragar novos talentos do cinema.
Nenhum nome com o peso de Steven Spielberg, por exemplo, veio dos games para o cinema e mudou a indústria -desculpa, Hideo Kojima. Ironicamente, os games ficaram cada vez mais cinematográficos e interessantes, enquanto os blockbusters passaram a sofrer de uma artificialidade e de falta de ousadia.
Talvez notando esse vácuo criativo, Robert Zemeckis nunca tenha desistido de inovar. É verdade que seu último grande longa foi “O Voo”, lançado em 2012. Mas ninguém pode acusar o diretor de não tentar alavancar o progresso da arte, seja dando vida a bonequinhos em “Bem-vindos a Marwen”, seja dando vida a bonecão em “Pinóquio”.
E “AQUI”, seu novo filme que estreia em 28 de novembro no Brasil, não é diferente.
Adaptação das aclamadas tiras que viraram graphic novel de Richard McGuire, o longa mantém o espírito visual dos quadrinhos ao utilizar um enquadramento único imóvel da sala de uma casa ao longo dos anos em (quase) toda sua duração.
“AQUI”, na verdade, começa antes mesmo de ser uma casa. A câmera fixa permanece, mas começa focando a formação da Terra, passa pela Era do Gelo, mostra os primeiros nativos norte-americanos na região, registra a construção de uma mansão histórica e dá elementos da Guerra Civil -numa tentativa de falar de temas relevantes com a rapidez de uma lanchonete de fast food.
Quando a sala que serve de ambiente por quase todo o longa toma forma, conhecemos seus habitantes, que vão da mulher (Michelle Dockery) de um aviador que compra a casa meio a contragosto à família afro-americana que cria o filho sob regras específicas para evitar policiais racistas, passando por um refrescante casal de libido alta (David Fynn e Ophelia Lovibond).
O grande filão, no entanto, é a família encabeçada por Tom Hanks como Richard Young. Seu pai, vivido por Paul Bettany, compra a casa com a mulher, Rose (Kelly Reilly), logo depois de voltar da Segunda Guerra, traumatizado e enfurnado numa garrafa de álcool. Os dois têm filhos, mas Richard termina ancorado no local depois de conhecer Margaret (Robin Wright), que fica grávida sem planejar e casa cedo.
Cada núcleo familiar tem sua história, mas o roteiro de Eric Roth e do próprio Zemeckis não se conecta emocionalmente com nenhum deles. O texto não apresenta traços de originalidade. Sua mediocridade fica ainda mais evidente por atuações exageradas de todo o elenco, pela trilha açucarada de Alan Silvestri e pelo rejuvenescimento digital dos protagonistas, que certamente melhorou desde “O Irlandês”, de Martin Scorsese, mas ainda continua sem vida e capaz de distrair em diversos momentos.
O pior que tudo isso contrasta demais com a ousadia visual de Zemeckis. Para quem gosta da HQ, o filme não decepciona neste aspecto e utiliza as sobreposições nas horas certas e de uma maneira que não fica confuso.
Ao mesmo tempo, a câmera parada, as inserções de quadros e a passagem do tempo são uma grande muleta para uma tão trama banal que não faria feio em um episódio ruim de “This Is Us”. O que seria uma grande e esperada reunião de “Forrest Gump” no seu 30º aniversário, vira uma decepção imensa com o único objetivo de emocionar o público sem a menor carga dramática.
Se você procura algo parecido, sugiro assistir ao melancólico e soberbo “Sombras da Vida”, de David Lowery, que também fala sobre passagem do tempo, família, doenças, alegrias, perdas e amor, mas sem a pieguice ou distanciamento de “AQUI”.
Uma pena. Mas espero que Zemeckis continue tentando.
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"Na época, o cineasta de “De Volta para o Futuro”, “O Náufrago” e “Forrest Gump” estava finalizando seu “O Expresso Polar”, filme que é um dos pilares da popularização do stop-motion no cinema."
Sendo cri-cri... nao e' STOP-motion... mas Motion-Capture (ou Mocap). Ray Harryhausen
ficaria orgulhoso.
Recebi um e-mail da distribuidora falando que o filme só vai estrear aqui no Brasil em janeiro de 2025 😢