Covarde, vazio e medíocre, novo "O Exorcista" é o oposto do original
Tentativa da Blumhouse de reviver a franquia iniciada com o clássico de 1973 resume tudo que há de errado com Hollywood.
Nesta edição:
Como um estúdio estraga uma refilmagem.
Novo filme de Wim Wenders.
Argentina não deve disputar o Oscar 2024.
Música da semana
William Friedkin, o diretor de clássicos como “O Exorcista” e “Operação França”, morreu há pouco mais de dois meses, aos 87 anos.
O cineasta adorava contar causos e falar sobre cinema. Sei disso porque o entrevistei certa vez por telefone e a conversa estava tão longa e boa que ele me passou seu e-mail para combinarmos algo depois.
Friedkin amava falar. E sabia falar. Entregava manchetes a cada dois minutos. Os eventos que comparecia para alguma comemoração de data eram sempre repletos de frases de efeitos e histórias hilárias.
Uma delas envolve a horrorosa e problemática sequência “O Exorcista II - O Herege”, de John Boorman, lançada em 1977 para tentar ordenhar um pouco mais do sucesso do filme original, que rendeu US$ 441 milhões na época -ajustando para a inflação, os valores do original ultrapassariam a marca de um bilhão.
William Friedkin era um dos convidados de um festival em Chicago, 10 anos atrás e, num papo com a presença do público, ele disparou de cara quando perguntado sobre as continuações de “O Exorcista”: “Nunca vi um quadro sequer das sequências e não tenho o menor interesse nelas”.
Exagero, claro. A plateia adorou.
Ele logo se desmentiu ao falar que viu alguns segundos da primeira sequência ainda no laboratório para correções e revelou um causo delicioso sobre a sessão-teste de “O Exorcista II - O Herege”, em Pasadena -uma cidade da grande Los Angeles.
“Quem me contou isso foi um executivo da Warner Bros. Ele me chamou para ver o teste, dizendo que eu deveria estar orgulhoso, que eu era avô agora. Recusei. Mas, depois, ele me contou que esses executivos da Warner foram em suas limusines para Pasadena. Chegaram ao local e mandaram os motoristas esperarem no estacionamento de uma lanchonete fast-food no fim de quarteirão e só voltarem daqui a duas horas. Vestidos elegantemente, eles entraram no cinema, que estava lotado. Se sentaram na última fileira. Dez minutos depois do filme começar, um sujeito da plateia se levantou, começou a olhar em volta e gritou: ‘As pessoas que fizeram essa merda estão neste recinto!!!’. Outra pessoa perguntou: ‘Onde?’. Meia dúzia de espectadores se levantou apontando para o fundo do cinema: ‘Eles estão ali atrás’. Os executivos se levantaram e saíram correndo da sala. Mas, quando chegaram à rua, os carros não estavam lá, mas no McDonald’s. Eles começaram a correr e foram perseguidos pelos espectadores. Essa foi a primeira reação do público a “O Exorcista II - O Herege”.
A plateia veio abaixo. Risos.
Verdade ou não, eram outros tempos.
Agora, é diferente.
Fui na primeira sessão para a imprensa de Los Angeles de “O Exorcista - O Devoto”, que estreia no Brasil na quinta-feira (12).
Ouvi até duas pessoas aplaudindo.
Por esse horror, Friedkin não vai passar, mas também não terá outro causo para contar.
Triste.
Não tanto quanto assistir a mais uma continuação não somente medíocre de um clássico do cinema, mas também covarde, vazia e inofensiva.