Crítica: "Quarteto Fantástico: Primeiros Passos"
Filme de Matt Shakman mostra evolução da Marvel, mas tem medo de mergulhar nas próprias escolhas criativas.
Nas ruas brasileiras, um retorno para carros sempre tem uma faixa correta para o motorista esperar em fila, como qualquer cidadão normal faria.
Mas sempre há uma faixa não oficial para os espertinhos que não podem esperar como um cidadão normal.
As autoridades, então, em vez de reprimir os contraventores, fazem o quê?
Pintam a faixa ilegal e a transformam em faixa legal.
É mais ou menos essa a relação da Marvel com “Quarteto Fantástico: Primeiros Passos”.
O filme tenta seguir os procedimentos corretos, mesmo com dezenas de executivos passando o carro na frente. A Marvel, em vez de coibir quem está errado, decide adaptar o cenário para acomodar ideias pouco criativas de uma Hollywood que eles acreditam ainda existir, apesar de o público mandar o recado todos os anos.
A primeira metade de “Quarteto Fantástico” é o melhor momento da Marvel desde “Vingadores: Ultimato” e aponta para uma direção oposta à mesmice visual do estúdio, abraçando a fantasia retrô com força em vez de adaptá-la às regras estabelecidas e claramente exaustivas.
É quando encontramos o gênio elástico Reed Richards (Pedro Pascal), a mulher invisível Sue Storm (Vanessa Kirby), o esquentado Tocha Humana (Joseph Quinn) e o pedregoso monstrão de coração de ouro Ben Grimm (Eben Moss-Bachrach). Os quatro já estão estabelecidos como os grandes heróis invencíveis de uma Terra paralela, a dimensão retrofuturista 828, na qual Richards controla os vilões com suas invenções magníficas.
O filme não perde muito tempo explicando as origens da família que todos já conhecem e faz isso de maneira ágil e divertida. O Quarteto é o Beatles daquele mundo. A sensação é a de ler um gibi dos anos 1960, quando os heróis eram simples e, por mais encrencas que enfrentassem, saíam do outro lado sem sequelas -há várias citações a Jack Kirby, inclusive, artista/criador do grupo ao lado de Stan Lee.
O sentimento persiste com a chegada da Surfista Prateada (Julia Garner) e o aviso de que o devorador de mundos, Galactus (Ralph Ineson), irá destruir a Terra em breve. O Quarteto parte ao encontro da entidade em algum ponto da galáxia para tentar derrotá-la. Ou, pelo menos, negociar a salvação. O problema é que o semideus faminto deseja o filho que está na barriga de Sue Storm em troca de poupar o planeta. O grupo retorna para casa e revela tudo à população, que passa a questionar os heróis.
A partir daí, o longa dirigido por Matt Shakman entra numa queda vertiginosa, esquece o bom humor do início e aposta em um drama que leva aos clichês batidos da Marvel recente. O que é uma pena, pois os excelentes efeitos visuais mostram que o estúdio voltou a tratar seus profissionais da área com um pouco mais de respeito e tempo. Além disso, o retrofuturismo também cai muito bem na trama, principalmente na concepção de Ben Grimm, menos realista e, ainda assim, palpável.
O segundo ato do filme escorrega no mesmo lugar e parece que estamos andando em círculos em meio a diálogos científicos pouco produtivos, mas verossímeis graças a um elenco que comprou a ideia de Shakman e tem uma química impressionante. O único momento que traz um pouco da imaginação dos primeiros minutos é quando exploram o Toupeira de Paul Walter Hauser, que merecia mais tempo de tela de tão bom.
O terço final tenta retomar a grandiosidade retrô do começo do longa, mas o deslumbre se foi e não há recompensas. Os planos de resolução são inocentes até demais.
Chega a ser engraçado como Hollywood trafega sempre por ideias de tom semelhante quando entra em crise criativa. Se “heróis realistas não funcionam mais”, vamos trazer “a inocência infantil de volta”. Não é difícil traçar um paralelo entre o “Superman” de James Gunn e o “Quarteto” de Shakman. Ambos apostam nas cores, na ingenuidade e pureza de seus protagonistas. O primeiro funciona melhor, talvez por ser um começo, e não mais um filme que serve para promover outro filme, depois de vir de outro filme, e de outro, e de outro -Sim, há uma cena pós-créditos que já faz uma ligação com “Doomsday”.
“Quarteto Fantástico: Primeiros Passos” é, sem dúvidas, o melhor filme da Marvel desde o fim de Vingadores, mas isso não é uma conquista muito difícil. Está tudo lá, porém não funciona como poderia. Falta um tempero extra ou uma confiança maior na nova estética.
Infelizmente, o carro da Marvel apelou para a segunda faixa ilegal e ainda cruzou o retorno antes. O lado bom é que “Quarteto Fantástico” se manteve correto na sua, mesmo ficando um pouco para trás.
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Como não vão me deixar pagar meio ingresso para ver metade do filme vai ficar para o Disney+.