Fernando Meirelles retorna para Hollywood em série noir
"Sugar" traz Colin Farrell como um detetive apaixonado por cinema antigo, mas que esconde um mistério controverso.
John Sugar é um sujeito bacana.
Antes de socar e quebrar os ossos dos seus oponentes, ele nos avisa que “não gosta de machucar pessoas”.
Encontra um morador de rua e lhe dá toda a assistência possível para que ele volte a ter uma vida funcional.
Adora cachorros e até adota um.
Quando uma mulher bêbada se joga em seus braços clamando por sexo, ele, como deve ser, se recusa.
É gentil com empregados, entrega gorjetas polpudas.
Infelizmente, John Sugar é um detetive particular de uma organização misteriosa. E ser “bacana” não ajuda muito na sua profissão, como aprendemos nos primeiros minutos de “Sugar”, nova série que estreia nesta sexta-feira (5) no Apple TV+.
Sugar (Colin Farrell) está em Tóquio para investigar o desaparecimento de um menino. Ele confronta o principal suspeito do crime em um apartamento e oferece um acordo: “Entregue o garoto e te dou duas horas de vantagem antes que eu conte a pai dele [um chefe da Yakuza]. Você pode ir para um aeroporto e sumir em um país estrangeiro”.
O bandido recusa a oferta e, em segundos, tem o braço quebrado e a consciência apagada. “Não gosto de machucar pessoas. De verdade”, diz John Sugar na frase que adorna o restante da série.
Tudo isso é embalado em ângulos inusitados que colocam o espectador como um voyeur da tensão e uma fotografia em preto e branco que nos leva à primeira metade do século 20, auge do cinema noir.
Cortesia do cineasta brasileiro Fernando Meirelles, diretor de cinco dos oito episódios de “Sugar” -os outros três ficam sob a batuta de Adam Arkin (“The Offer”)-, do seu costumeiro diretor de fotografia, César Charlone (“Dois Papas”, “Cidade de Deus”), e do montador Fernando Stutz (“Dois Papas”).
Eles determinam o tom inteiro da série criada por Mark Protosevich (“Thor”), um roteirista que parecia afastado de Hollywood desde a fatídica refilmagem de “Oldboy”, dez anos atrás.
“Sugar” abre em Tóquio, mas é uma carta de amor à Los Angeles. Ela se passa na Califórnia, respira suas ruas e “as moléculas de desespero” que cortam suas esquinas.
O detetive de Farrell assume o caso de sumiço da neta de Jonathan Siegel (James Cromwell), um dos maiores produtores de Hollywood. Olivia (Sydney Chandler, a Chrissie Hynde da minissérie sobre o Sex Pistols) é uma garota problemática e que pode ter se envolvido com as pessoas erradas.
Não que seu pai/produtor (o sempre bom Dennis Boutsikaris) e irmão/ator (Nate Corddry) estejam muito preocupados, já que o desaparecimento não é novidade na vida da garota e eles estão no meio de um projeto de filme que pode ressuscitar a carreira de ambos.
Jovem desaparecida. Traços de pornografia. Violência. Um corpo misterioso que surge. Traições. Ameaças. Hollywood suja. Digamos que a premissa e boa parte da série não apresentam nada que vários filmes não já tenham abordado, de “Dois Caras Legais”, filmão hilário de Shane Black, a “Dália Negra”, noir errático dirigido por Brian de Palma.
Mas John Sugar parece esconder algo por baixo de todos os idiomas que fala, das missões que recebe de seu contato (Kirby, a morte de “Sandman”), da fachada gentil, seu amor por filmes (a edição tenta intercalar cenas de clássicos noir com as do próprio protagonista, nem sempre com sucesso) e dos ferimentos facilmente curáveis com Super Bonder.
“Ainda tenho muito que aprender sobre as pessoas”, pensa ele na narração em off que permeia toda a série.
O problema que o mistério sobre quem é John Sugar começa a eclipsar o próprio mistério que ele investiga.
O que deveria ser uma conclusão orgânica, vira uma tremenda muleta narrativa para manter o interesse do espectador.
Pior: vira o ponto divisivo da série.
Para uns, será uma reviravolta genial que subverte o gênero e trafega entre gêneros diferentes. Para outros, o momento de desligar a TV depois de seis horas mornas e uma resolução ridícula.
É um projeto arriscado que exige a fidelidade do público por, pelo menos, seis episódios.
A seu favor, o carisma magnético de Farrell, dono da série, e o visual de Meirelles. Cinco anos depois do sucesso de “Dois Papas” e duas décadas desde que surpreendeu o mundo com “Cidade de Deus”, o cineasta talvez entregue sua direção mais energética e inovadora desde “Cidade de Deus” -principalmente por encontrar sentido no caos do texto e por equilibrar elegância da “câmera na mão”.
O que talvez seja exatamente o que a Apple deseja para chamar a atenção: criar teorias e ter longevidade.
Isso, baby, é Hollywood, afinal.
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