Justiça para Clint Eastwood!
A Warner decidiu esconder "Juror #2", que pode ser o último filme do lendário cineasta de 94 anos. Qual a explicação?
Clint Eastwood está com 94 anos. Em seis meses, terá 95.
E “Juror #2” (“Jurado Nº2”) pode ser o último filme de um dos atores e cineastas mais lendários e consagrados de Hollywood.
Não é mau agouro.
Vejamos: Clint leva, em média, 3 anos entre uma produção e outra. O sujeito é durão, parece saudável e ativo, mas lançar um longa seguinte com 97 anos é algo raríssimo.
Claro, não é impossível.
Manoel de Oliveira fez “O Gebo e a Sombra” com 104 anos. Leni Riefenstahl lançou “Impressions Under Water” com 101, mas era um projeto pessoal com intervalo de 50 anos em relação ao seu último filme.
Trabalhando de forma constante e no cinema comercial, Clint é único.
E você imagina que a Warner Bros. Discovery reconheça isso ao lançar o novo longa do diretor. E que faça uma festa tão digna quanto a carreira do homem que rendeu ao estúdio dois Oscar de Melhor Filme por “Os Imperdoáveis” (1992) e “Menina de Ouro” (2004), sem contar as inúmeras indicações -a última (e inesperada) sendo há dez anos por “Sniper Americano”.
Mas não foi isso que aconteceu com “Juror #2”.
Com uma estratégia totalmente sem sentido, o filme abriu sexta passada (1) nos Estados Unidos em apenas 50 cinemas, despido de campanha de marketing decente (encontrar um pôster do longa nos multiplexes ou em paradas de ônibus era uma missão complicada) e, segundo a “Variety”, desprovido de qualquer boa vontade do estúdio em bombar a produção para as grandes premiações.
Não é segredo nenhum aqui em Hollywood que David Zaslav, o presidente da Warner Bros. Discovery, não tem muita simpatia pela história do cinema. Ele é um executivo feroz movido por números frios. Sob sua gestão, filmes como “Batgirl” e “Coyote vs. Acme” foram cancelados mesmo quase finalizados. Séries inteiras foram removidas do streaming Max, de propriedade do estúdio. Outras foram vendidas a preço de banana para outros competidores.
A ideia de Zaslav é enxugar o máximo possível para diminuir o rombo da dívida de US$ 40 bilhões da empresa. Doa a quem doer. Esse desprezo pelo cinema afastou Christopher Nolan, um dos cineastas mais importantes e rentáveis da Warner, que foi fazer “Oppenheimer” com a Universal -depois disso, ele recusou uma fortuna para voltar para o estúdio com um novo filme estrelado por Matt Damon e Tom Holland.
Mas nem isso explica como Clint Eastwood está sendo tratado pela Warner. Ele é um diretor de orçamentos pequenos em comparação às superproduções atuais, filma em tempo recorde (se recusa a fazer muitas tomadas) e nunca estoura o valor acordado com o estúdio.
Por causa disso, seus filmes dificilmente dão prejuízo. Ficando nos mais recentes, “A Mula” custou US$ 50 milhões e rendeu US$ 175 milhões. Já “Cry Macho”, que teve orçamento de US$ 30 milhões e rendeu apenas US$ 16 milhões, mas foi lançado ainda com a pandemia nas notícias e simultaneamente no streaming HBO Max.
A Warner não apenas colocou “Juror #2” em circuito limitadíssimo (sem possibilidade de ampliação), como ainda anunciou que não divulgaria sua arrecadação no fim de semana de estreia. A esquisitice não para por aí.
O filme de US$ 35 milhões, inicialmente, estava programado para entrar diretamente no catálogo do streaming Max. A Warner mudou de ideia e o jogou nos cinemas de maneira desajeitada, mas talvez pensando em não minar possibilidades de prêmio. A ideia, contudo, era gastar pouco com campanha de Oscar de um filme que o estúdio não dispensa a menor fé.
Ironicamente, o desapreço do estúdio chamou a atenção da mídia. “Juror #2” ganhou mais espaço nos jornais, sites e revistas que se esperava. Os críticos também gostaram do longa. E, aparentemente, a Warner estaria revendo a política de não investir em um pequeno empurrão para as premiações de fim de ano. Fora dos EUA, a obra rendeu US$ 5 milhões na estreia.
Mas, afinal, “Juror #2” é uma bomba ou mais um bom filme que a Warner não sabe como vender?
Nunca fui uma daquelas pessoas que adora qualquer coisa com a assinatura Clint Eastwood. Para mim, seu último bom filme foi “Gran Torino”, de 2008.
“Juror #2” pode não ser perfeito, mas passa longe de merecer esse tratamento da Warner. Em boa parte das suas quase duas horas, o filme é um elegante e original estudo sobre culpa e o que nos torna pessoas boas ou más.
Nicholas Hoult faz Justin Kemp, um marido aparentemente perfeito que cuida da mulher grávida (Zoey Deutch) e é convocado para fazer parte de um júri. Lá, termina descobrindo que o caso que deve ajudar a encontrar um veredicto tem outro culpado: ele mesmo.
Kemp é um personagem fascinante. Como parte do corpo do júri, ele tem a oportunidade de chegar ao veredicto já nas primeiras horas de deliberação. Todos os seus colegas acham que o réu (Gabriel Basso) é o culpado pela morte da sua namorada (Francesca Eastwood, filha de Clint), encontrada morta no córrego que acompanha uma pequena estrada.
Seria um caso fácil. Ele poderia voltar a acompanhar a gravidez de risco da mulher.
Mas é o próprio Kemp que impede a unanimidade dos jurados. Há uma dubiedade moral interessante nestas ações iniciais. Estaria o sujeito tentando impedir que um homem inocente pagasse por um crime que ele cometeu por acidente? Ou seu lado autodestrutivo que o levou ao alcoolismo no passado estaria falando mais alto e provocando uma culpa insuportável?
Eastwood adora este tipo de área cinzenta do ser humano há três décadas, o que não deixa de ser mais interessante vindo do homem responsável por Harry Callahan, o Dirty Harry, um símbolo do “justiça pelas próprias mãos”.
O roteiro de Jonathan Abrams começa a apresentar algumas rachaduras neste estudo curioso quando J.K. Simmons se apresenta como um jurado ex-detetive que começa a corroborar com a teoria de Kemp em relação à inocência do réu. “Não te vetaram”, pergunta outra jurada. “Não me perguntaram”, responde o ex-policial. Quase tão preguiçoso quanto as últimas temporadas de “Lost”.
Nos últimos minutos, seu prazer com o filme será igualmente proporcional à sua disposição em comprar situações fantasiosas quase risíveis -a promotora de Toni Collette não saber que seu jurado é casado com a mulher que pode ter uma estranha ligação com o caso e a atitude de Kemp que muda da água para o vinho.
É um longa que não está na primeira prateleira de Eastwood. Mas é digno e classudo. E, diabos, estamos no meio da moda das séries e podcasts de crimes. “Juror #2” não parece descolado da cultura pop atual.
Na verdade, a Warner que parece descolada da própria realidade.
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