Novo filme mergulha na intimidade e na tensão do Black Keys
“This Is a Film About the Black Keys” foi exibido nesta semana no festival SXSW, no Texas, e adianta o novo álbum da dupla.
Vi o Black Keys ao vivo pela primeira vez no festival parisiense Rock en Seine, em agosto de 2012.
Naquela época, não havia uma banda norte-americana tão grande quanto a dupla formada pelo guitarrista e vocalista Dan Auerbach e o baterista Patrick Carney.
O álbum “El Camino” havia sido lançado no fim do ano anterior e dominou o rock, jogando para a estratosfera o garage blues do duo -para desespero de Jack White, desafeto de Auerbach.
A escalação do evento à beira do Sena não era fraca: Green Day, Placebo, Noel Gallagher, Sigur Ros, Mark Lanegan, dEUS, Foster The People, Childish Gambino, Ed Sheeran, Bloc Party, Eagles of Death Metal, Grandaddy, The Dandy Warhols, Grimes, The Temper Trap, Of Monsters and Men e mais uma porrada de atrações boas -some isso a vinhos bons, natureza e raclette e você tinha um festival perfeito.
Mas nada era maior que o Black Keys, que tocaria, meses depois, no Lollapalooza brasileiro, no Jockey Club de São Paulo.
Naquele ano, Auerbach e Carney tinham finalmente alcançado o objetivo que perseguiam há quase dez anos, desde que lançaram o disco “The Big Come Up”, em 2002.
Foi uma longa e tortuosa busca pelo sucesso. E o resultado não foi somente a fama: brigas, separações, divórcios, nascimentos, pressão, esgotamento nervoso, projetos paralelos e até anos de silêncio.
E tudo isso está registrado no novo documentário “This Is a Film About the Black Keys”, dirigido por Jeff Dupre (“Marina Abramovic - A Artista Está Presente”), lançado nesta semana durante o festival SXSW, em Austin, Texas.
Ao contrário da maioria dos filmes sobre roqueiros famosos e maiores que a própria vida, o documentário segue uma trajetória linear de uma dupla que, como Carney diz, surgiu como “um casamento arranjado”.
Apesar dos dois músicos morarem no mesmo bairro da modorrenta Akron, em Ohio, eles não se conheciam bem. Se uniram por acaso, quando, Carney decidiu tentar a vida como produtor ao comprar uma mesa de mixagem e se ofereceu para gravar a bandinha de Auerbach no estúdio amador da sua casa. Os outros integrantes não apareceram, então Carney e Auerbach gravaram por conta própria.
O guitarrista adorou o resultado e, semanas depois, o Black Keys ganhava vida.
A carreira da dupla decolou de forma rápida, apoiada por apresentações ao vivo selvagens pela região. Já no segundo álbum, “Thickfreakness” (2003), ganharam destaque na imprensa especializada e passaram a excursionar com Beck e Sleater Kinney.
Auerbach e Carney não paravam. Dirigiam seu furgão pela costa leste, se hospedavam em muquifos do lado das saídas para as rodovias para poupar tempo e investiam a pouca grana que recebiam pelos shows em gasolina, hospedagem e instrumentos -o controle financeiro ficava nas mãos do baterista.
“This Is a Film About the Black Keys” traz tantas cenas do início de carreira da dupla que fica até difícil acreditar que ela realmente não foi forjada.
Em 2004, o Black Keys estava prestes a explodir.
Mas não aconteceu com “Rubber Factory” (2004).
Não aconteceu com “Magic Potion” (2006)
E nem mesmo com “Attack & Release” (2008), primeiro trabalho do duo com o produtor Danger Mouse.
Os discos vendiam bem, mas não tiravam o Black Keys do status de banda suja de garagem que apenas indie rockers escutavam.
A insatisfação levou à uma frustração nunca (até hoje) tratada.
Os ficaram sem se falar por boa parte de 2009. Carney se afundou na bebida e no casamento fracassado, enquanto seu parceiro lançou o primeiro disco solo em segredo. O baterista ficou tão puto que criou um projeto paralelo chamado Drummer, no qual tocava baixo.
Com novas entrevistas, o filme toca bastante nesta relação tumultuada, porém pouco explícita entre os dois integrantes do Black Keys. Carney sofre com a síndrome de “sidekick”, enquanto Auerbach claramente vive um dilema de querer ser astro do rock misterioso e pai de família.
Quando a banda parecia ter atingido seu ápice criativo e de alcance, o empresário Damon Dash a chamou para o projeto “Blakroc”, que unia o Black Keys e artistas de hip-hop.
Foi a fagulha que o grupo precisava para retornar e forjar um novo som, trazendo mais dos artistas de blues e soul que inspiravam o Black Keys.
Deixaram as brigas de lado e voltaram a tocar. Nunca falaram sobre o assunto -nem no filme, já que as entrevistas são todas separadas.
Mas a união estava lá. E por isso o nome do disco que começaria a mudar tudo para o Black Keys: “Brothers”, de 2010.
O álbum já estava gravado quando os dois chamaram novamente o produtor Danger Mouse para ajudar a quebrar a monotonia das suas vendagens.
Em resumo, eles precisavam de um hit.
E assim surgiu “Tighten Up”, uma faixa criada para vender -tanto que Auerbach odiou o resultado no início.
E ela vendeu.
“Brothers” virou um sucesso. E abriu caminho para um sucesso ainda maior com “El Camino” e seus cinco singles grudentos, no ano seguinte.
O Black Keys se tornou gigante, como queriam seus integrantes.
Mas, como o filme revela, os problemas nunca foram superados. Entre turnês globais e gravações, os dois destruíram mais casamentos -Stephanie Gonis, primeira mulher de Auerbach, é uma das principais entrevistadas- e claramente estavam em climas diferentes.
Pena que nunca entre na treta com Jack White e o famoso acordo com Gonis que envolvia um tufo do cabelo de Boby Dylan.
Numa das melhores sequências de “This Is a Film About the Black Keys”, Carney está testando o som da abertura da turnê do “El Camino” com a banda. Data importantíssima, mas Auerbach não está nem no ginásio. Ele está escolhendo roupas para a estreia em uma loja longe dali. Numa montagem esperta, Dupre divide as cenas entre Carney xingando o amigo por não estar ali e o guitarrista/vocalista relaxadamente comprando uma jaqueta histérica para o show.
Ele chega de bicicleta portátil na arena, como se nada tivesse acontecendo. Carney nem o encara. Guarda tudo para dentro. O importante é manter a banda viva.
Este comportamento levou a um novo afastamento. “Em três anos, acho que falei com Dan duas vezes e troquei menos de dez mensagens”, confessa Carney sobre o período entre os álbums “Turn Blue” e “Let’s Rock”, que não repetiram o sucesso de “El Camino”.
Apesar desta tensão entre os dois únicos membros oficiais do Black Keys, o filme equilibra bem o cotidiano de uma banda em busca do sucesso e uma certa dose de bom humor.
Por isso mesmo, o longa funciona até na sua simplicidade. O Black Keys se despe das vaidades de uma forma que seus integrantes não fazem entre si, entregando personagens bem mais interessantes, mesmo nas banalidades, e engraçados que o fã poderia imaginar.
E termina, espertamente, num tom mais alegre.
A banda está prestes a lançar um novo álbum, “Ohio Players”, e o documentário entrega algumas novas imagens e entrevistas ao redor do projeto, inclusive com participação de Beck e Noel Gallagher.
Auerbach, mais gordo e menos misterioso, e Carney exibindo mais rugas e cabelos brancos, parecem mais desencanados com a própria situação. E mais satisfeitos, conformados.
Como se tivessem provado o gosto do sucesso e não gostado da pressão.
Mas não perdem o bom humor.
Quando os dois são questionados sobre os vários casamentos, não deixam a peteca cair: “Parece que trocamos de esposas a cada quatro álbuns”, diz o guitarrista. “Tudo bem, está no contrato”, completa o baterista.
*“This Is a Film About the Black Keys” ainda não tem data para exibição no Brasil.
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