O rejeitado "Nimona" revela o péssimo momento da Disney
O bom desenho animado com protagonistas gays foi salvo pela Netflix e escancara a caretice dos grandes estúdios.
Os direitos de produção de “Nimona”, graphic novel de ND Stevenson, foram comprados em 2015, mesmo ano da publicação da graphic novel.
O estúdio que comprou foi o 20th Century Fox Animation para ser o longa animado de estreia de Patrick Osborne, do ótimo curta “O Banquete”, da Disney, dentro do Blue Sky Studios, de “A Era do Gelo”.
O desenho ganhou a data de estreia para 14 de fevereiro de 2020.
Em março de 2019, no entanto, a Disney finalizou a compra da Fox. Com ela, a compra também da Blue Sky.
E começou o martírio de “Nimona”.
Em maio de 2019, o filme foi adiado para 2021. Meses depois, novo adiamento, agora para 2022. Com a má vontade aparente dos executivos, Osborne caiu fora do projeto em 2022 e foi substituído por Nick Bruno e Troy Quane, de “Um Espião Animal”.
O que já parecia difícil virou impossível quando a Disney simplesmente desmontou a Blue Sky em 2021, demitindo seus funcionários e arquivando seus projetos, independentemente do estágio de produção.
“Nimona” foi um destes projetos limados, mesmo a algumas semanas de sua finalização principal.
Muitos estranharam a pulverização do longa tão perto de estar pronto. Alguns funcionários da Blue Sky acreditam que os adiamentos e o consequente cancelamento foi muito além de simples contratos de compra.
Alguns disseram que a Disney estava com medo de lançar um desenho animado protagonizado por um cavaleiro heroico abertamente gay, com direito a cenas de beijos e declarações amorosas.
Em 2022, a animação foi salva pela Annapurna Pictures em parceria com a Netflix, que compraram os direitos da Disney.
Pouco mais de um ano depois, em 30 de junho de 2023, “Nimona” estreou no streaming. Ironicamente, em meio à uma baixa criativa e financeira da Disney, que não teve ainda nenhum longa faturando acima dos US$ 400 milhões nos EUA em 2023 -apesar de orçamentos que beiram os US$ 300 milhões para filmes como “Indiana Jones e a Relíquia do Destino”.
Assistindo à “Nimona”, dá para entender a razão.
A animação usa a técnica belíssima de 2D utilizada pela Blue Sky em “Snoopy e Charlie Brown - O Filme”, mas insere grafismos e visuais mais modernosos com clara influência de “Aranhaverso”.
“Nimona”, de cara, parece um desenho do estúdio de Tomm Moore (“Wolfwalkers”) turbinado com ficção científica: um reino futurista com aspecto medieval mantém vigília contra um monstro há séculos derrotado por sua grande heroína. No dia da consagração de Ballister (Riz Ahmed) em cavaleiro do Reino, algo acontece com sua espada, que mata a Rainha Valerin (Lorraine Toussaint) e transforma o nobre protetor em vilão procurado.
Escondido de todos, Ballister recebe a ajuda de uma estranha garota chamada Nimona (Chloë Grace Moretz), que tem o poder de se metamorfosear em animais e até em humanos. Ela oferece sua ajuda em troca de um lugar no reino como sua parceira.
O roteiro parece caótico em diversos momentos, mas a química entre os personagens nunca chega a irritar. A fábula hi-tech é claramente algo que a Disney não costuma investir, o que compreensível, já que o estilo raramente funciona.
Mas “Nimona” entrega algo que a gente não vê mais nos desenhos da Disney, seja Pixar, seja da casa: ousadia e alma. Se a estrutura do roteiro é perfeitamente adequada a quem se acostumou com as tramas da turma do Mickey, o visual mais rabiscado e os personagens são refrescantes.
Não há imposição de agenda ou discursos expositórios no que se trata em relação aos temas LGBT. São dois homens, companheiros de guarda do reino, que se amam e todos sabem disso. Tudo muito natural. Um deles, inclusive, não pestaneja ao cumprir seu papel de guardião.
Em meio a campanhas e leis anti-minorias, claro que “Nimona” seria recebido com tridentes e tochas por um grande segmento que ama o estúdio.
A Disney preferiu tomar o lado do pseudo-ativismo implícito, mesmo em detrimento de um produto criativamente interessante e com potencial de bilheteria.
Afinal, com o sucesso de “Através do Aranhaverso”, “Gatos de Botas” e “Super Mario Bros.”, o público já deu o recado que a estética conservadora careta e hipócrita da Disney cansou.
Se não ousa no texto, que ouse na animação.
Ser retrógrado nos dois começa a dar prejuízo.
E se tem uma cor que acionista conservador odeia mais que rosa (cor de Nimona) é o vermelho do prejuízo.
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