Por que "Duna: Parte 2" é a ficção científica mais relevante da década?
Novo capítulo da saga de Denis Villeneuve ousa mergulhar nos perigos do fanatismo religioso e seu controle sociopolítico.
"Aquele que controla a especiaria, controla o universo” é uma das frases mais emblemáticas da adaptação cinematográfica de “Duna”, do canadense Denis Villeneuve.
Ela não está no livro de Frank Herbert publicado em 1965. Pelo menos, não da maneira que toma forma no filme.
Uma liberdade criativa compreensível para quem viu o primeiro “Duna”, lançado em 2021. O ditado era um resumo para esclarecer a importância do planeta desértico Arrakis para o Imperium como base de matéria-prima do combustível que move as naves de todo o universo.
Uma analogia óbvia (mas, lembre-se, escrita em 1965) sobre combustíveis fósseis e a ganância dos grandes poderes na sua exploração, passando por cima de povos, história e ideologias.
É um filme ecológico. E com seus problemas.
Mas “Duna: Parte 2”, que estreia na quinta (29) nos cinemas brasileiros, deixa um pouco de lado às críticas ao capitalismo desenfreado para mergulhar profunda e corajosamente nos perigos do fundamentalismo religioso, um tema evitado por 9 entre 10 produtores hollywoodianos.
Agora é hora do “Quem controla a massa, controla o universo”. E a maneira mais fácil de controlar a massa é utilizando a religião, a promessa do retorno do Messias que o oprimido povo Fremen, os primeiros habitantes de Arrakis, guarda em suas crenças antiquíssimas -e, que muitos vão descobrir lendo os livros, possui uma origem bem, digamos, obscura.
Uma escolha não apenas fiel ao primeiro livro de Herbert e sua filosofia de credo, mas ousada.
Villeneuve mexe num vespeiro que poucos cineastas do seu calibre têm a coragem de pôr a mão em 2024. Sim, o mundo (real) passa por uma espécie de Guerra Santa descentralizada e que poucos estão levando a sério.
Movimentos radicais fundamentalistas de diversas religiões, a grande maioria com o propósito de opressão e tomada de poder, independentemente do deus venerado, abrem caminho para a volta do obscurantismo, aprovando leis que eliminam direitos individuais e civis.
Outros promovem ataques bárbaros. Alguns abusam da lei do olho por olho. Tem quem utilize bancadas políticas para aprovar seus interesses, que ultrapassam de longe a vontade de “ajudar o próximo”. Há aqueles que promovem o ódio por redes sociais. Há ditaduras violentas teológicas que não podem ser constestadas. Quem sabe o que se financia com dízimos? Quem sabe o que exércitos sagrados policiam? Se temos Polícia da Moralidade matando jovens mulheres em um lugar por uma justificativa sagrada, temos minorias perseguidas e assassinadas pelos mesmos valores a milhares de quilômetros de distância.
Ocidente e oriente. Não importa.
E coitado de quem se colocar entre essas ações.
“Duna: Parte 2” faz isso. De forma grandiosa e épica, mas incompleta.
E se torna a ficção científica mais relevante dos últimos 15 anos, não apenas pela atitude, mas pela coragem de tratar um assunto delicadíssimo e urgente com muito alcance e investimento -US$ 180 milhões.