Por que estão comparando "Andor" aos protestos em Los Angeles?
Manifestações contra as políticas de imigração do governo norte-americano geram paralelos com série de "Star Wars".
Quem assina a newsletter, sabe que já escrevi algumas vezes sobre o perigo da infantilização da sociedade, do uso da cultura pop como bússola moral e as consequências de um povo que não consegue distinguir ficção da realidade.
Não me canso de canso de citar a entrevista do escritor Alan Moore ao jornal inglês “The Guardian”, em que o autor de “Watchmen”, “V de Vingança” e “A Liga Extraordinária” diz: “Este tipo de infantilização, que clama por tempos e realidades mais simples, pode muitas vezes ser precursor do fascismo”.
Mas não dá para evitar o assunto quando, no meio de uma crise política e protestos constantes em Los Angeles, a assessoria do governador da Califórnia, o democrata Gavin Newson, utiliza o seu Twitter para exibir um vídeo com uma postagem do presidente republicano Donald Trump na voz do Imperador Palpatine, o grande vilão da saga espacial “Star Wars”.
A estratégia pode ser questionável.
Nem é o que me interessa. Acho “vergonha alheia” quando políticos fazem memes para “falar com os mais jovens”.
Sempre acharei. Mas talvez esteja errado. Afinal, como comunicador, preciso me adaptar ao público, de certa maneira. Sim, como comunicador, também preciso conhecer meu público. Já pensou se passo a escrever regularmente sobre a migração dos periquitos neozelandeses para a Califórnia por aqui?
PS - nada contra periquitos ou kiwis, é apenas um exemplo imaginário. Não sei nem se periquitos migram. Muito menos para a Nova Zelândia.
A atitude da equipe de Newson me fez pensar em como a brilhante segunda temporada de “Andor” se tornou ponto de referência para quem está acompanhando as notícias dos protestos em Los Angeles.
A comparação surgiu porque os protestos pacíficos da sexta-feira (6) contra a política de deportação de Trump viraram confrontos no sábado (7) e fizeram Trump convocar a Guarda Nacional sem o aval de Newson, algo que aconteceu pela última vez na década de 60. E a tensão aumentou ainda mais com a designação dos fuzileiros navais para conter as manifestações, uma medida considerada extrema em qualquer situação interna, imagine para conter protestos populares.
Para quem não assiste à “Andor”, vou tentar resumir de forma rápida.
Na segunda metade da segunda temporada, a população do planeta Ghorman se reúne na praça principal para protestar pacificamente contra a ocupação imperial. Como o povo não debandava do lugar e a resistência minava os planos de opressão, o Império enviou seus soldados de elite para o lugar. E, em determinado momento, eles abriram fogo contra a população, em sua grande parte, desarmada. Dezenas de pessoas foram mortas e o que ficou conhecido como "O Massacre de Ghorman” virou a fagulha que faltava para a criação da Rebelião -a mesma que, anos mais tarde, destruiria o Império.
Foi o que os fãs de “Star Wars” precisaram para desenvolver suas teorias. Trump envia a Guarda Nacional para conter os manifestantes, então é como Palpatine enviando a Tropa Imperial para descer o sarrafo nos rebeldes. O uso da mídia para “vilanizar” protestantes, a ideia de que o presidente gostaria de que os populares apelassem para a violência para poder revidar e justificar o controle da cidade pelos militares.
Lembrando que a Califórnia é um estado democrata. E o mais rico dos EUA.
Fui ao epicentro dos protestos na segunda-feira. O pior, em tese, já tinha passado. Mas os manifestantes estavam lá. A Guarda Nacional, idem.
Conto tudo nesta matéria para a “Folha de S. Paulo”.
Os paralelos possíveis porque, para “Andor”, Gilroy se baseou em diversos focos de resistência popular para construir a trama de maneira real e impactante. E quem viu a série não deixou de perceber os temas de caça aos imigrantes, os perigos do absolutismo, controle de mídia e o preço da resistência.
A frase “Se você assistiu a ‘Andor’, sabe o que está acontecendo neste momento em Los Angeles” viralizou rapidamente. Memes ganharam forma antes mesmo de Newson se pronunciar.
Discursos criados para a série sobre liberdade e tirania ganharam força nas redes sociais.
O manifesto de Nemik, parte da primeira temporada, ganhou outro impacto fora da série e se espalhou pelas redes assim que os protestos em Los Angeles começaram.
“Haverá momentos em que a luta parecerá impossível. Já sei disso. Sozinho, incerto, pequeno pela escala do inimigo.
Lembre-se disso: a liberdade é uma ideia pura. Ocorre espontaneamente e sem instrução.
Atos aleatórios de insurreição estão ocorrendo constantemente em toda a galáxia. Há exércitos inteiros, batalhões que nem imaginam que já se alistaram na causa.
Lembre-se que a fronteira da Rebelião está em toda parte. E mesmo o menor ato de insurreição empurra nossas linhas adiante.
E então lembre-se disso: A necessidade imperial de controle é tão desesperada porque é tão antinatural. A tirania requer esforço constante. Quebra, vaza. A autoridade é frágil, a opressão é a máscara do medo.
E saiba disso, chegará o dia em que todas essas escaramuças e batalhas, esses momentos de desafio terão inundado as margens da autoridade do Império e então haverá muitos. Uma única coisa quebrará o cerco.
Lembre-se disso: Tentar.
Obviamente, quem defende o político Republicano tem outra perspectiva de “Andor”. Acha que os soldados imperiais deveriam estar carregando bandeiras do México e vandalizando lojas de Ghorman. Você pode encontrar isso na Internet também.
É sempre bom lembrar que, na ficção, um bom vilão sempre acha que é o herói da própria história.
E por isso que a realidade é bem mais complicada.
Mas olha só quem encontrei nos protestos em Los Angeles:
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Essa memificação de absolutamente qualquer coisa e q lacração de internet tem repercussões na realidade são o maior dado causado pela internet.
E parabéns pela cidadania americana! Meu único conflito com isso é se näo torna a newsletter um produto americano. E como bom canadense teria q boicotar 🤣.