Nem todo mundo pode ser Tarantino
"Lobos" traz George Clooney e Brad Pitt na comédia de ação de Jon Watts que fez o Apple TV+ repensar sua estratégia.
Quentin Tarantino surgiu no início dos anos 90 com dois filmaços.
“Cães de Aluguel” (1992) exibia extensos diálogos pop cortantes e uma violência brutal numa fusão pouco vista no cinema até então.
“Pulp Fiction” (1994) trouxe isso na bagagem, mas também personagens exóticos, uma narrativa quebradiça que fundiu o cérebro de muitos espectadores, um humor cínico de acordo com a época e uma trilha sonora que encheu o saco do tanto que tocava em qualquer festa universitária metida a descolada.
De repente, todo cineasta começou a achar que poderia repetir a fórmula daquele nerd que aprendeu a filmar assistindo a longas obscuros e trabalhando em uma locadora de VHS.
E você conta nos dedos quem se deu bem imitando Tarantino.
Até mesmo Tarantino evoluiu e parou de ser o Tarantino do passado.
Mas sua herança ficou. Até hoje.
Pode ser vista de maneira bacana no tenso “Strange Darling”, filmão sobre o qual escrevi há algumas semanas.
E, infelizmente, de maneira óbvia em “Lobos”, o encontro de dois superastros hollywoodianos conduzido por Jon Watts, um cineasta que deu a sorte de ser adotado pela Sony/Marvel para comandar a franquia do “Homem-Aranha”.
O filme estreia nesta sexta (27) diretamente no Apple TV+, um movimento inesperado da gigante da tecnologia. Afinal, estampar George Clooney e Brad Pitt nos créditos, há alguns anos, seria certeza de sucesso absoluto nos cinemas.
A Apple também achava isso.
Tanto que fez uma parceria com a Sony para lançar a comédia de ação em milhares de cinemas nos Estados Unidos e outros países. No entanto, faltando poucas semanas para a estreia, a empresa decidiu cancelar a exibição em massa, colocou o longa em circuito limitadíssimo nos EUA para tentar abocanhar algum prêmio (justo, há premiações de sobra hoje em dia) e só avisou os envolvidos dias antes do anúncio.
A mudança de plano não pegou bem. Clooney e Pitt teriam diminuído seus salários com a garantia de ver o filme nas salas de exibição -ainda assim, segundo o “The New York Times”, a dupla embolsou cerca de US$ 35 milhões, mas Clooney nega o valor estratosférico. Watts disse à “Vanity Fair” que criou o longa “para ser assistido nos cinemas”.
Na quarta passada (18), fui convidado para a première hollywoodiana de “Lobos”. Clooney e Pitt estavam no tapete vermelho, assim como Jon Watts e boa parte do elenco coadjuvante. Contudo, nenhum deles tomou a frente e apresentou a obra para os convidados que lotaram o histórico Chinese Theatre.
Nestes anos todos cobrindo pré-estreias pelo mundo, não lembro de visto algo parecido. Só não saberia dizer se foi uma decisão deles ou da Apple para evitar alguma declaração mais contundente na frente do público depois da passagem de todos pelo Festival de Veneza.
A preocupação do streaming não é por acaso. Apesar do setor de séries estar de vento em popa com séries premiadas (“Ted Lasso”, “Slow Horses”, “The Morning Show”, “Ruptura”) e conhecidas pela qualidade, a divisão de longas-metragens sofre na parceria com estúdios para o lançamento em cinema.
Nenhum dos seus filmes foi um sucesso de bilheteria: “Assassinos da Lua das Flores” (Paramount), de Martin Scorsese, custou US$ 200 milhões e rendeu US$ 157 milhões no mundo todo. “Napoleão” (Sony), de Ridley Scott, saiu com orçamento de US$ 200 milhões e faturou US$ 221 milhões. “Argylle”(Universal), de Matthew Vaughn, engoliu (de alguma forma inexplicável) US$ 200 milhões para ganhar vida e obteve só US$ 96 milhões nas bilheterias. Recentemente, “Como Vender a Lua” rendeu apenas US$ 40 milhões contra US$ 100 milhões de orçamento, mesmo com Scarlett Johansson e Channing Tatum no elenco.
Essa grana pouco importaria para uma empresa com valor de mercado acima dos US$ 3 trilhões. A prioridade destes longas era trazer novos assinantes para o streaming Apple TV+ com seu prestígio. O cinema era uma maneira de hypar os títulos e minimizar os custos. O que viesse era lucro.
Como muitas análises financeiras não levaram em conta essa parceria, publicações passaram a espalhar que “os filmes da Apple eram fracassos de bilheteria” sem contexto algum. Isso não apenas diminuía o hype em torno dos lançamentos e suas subsequentes possíveis novas assinaturas, mas maculava o próprio nome da Apple.
A gigante começou a repensar seus planos.
“Os Provocadores”, filme com Matt Damon e Casey Affleck dirigido por Doug Liman (“Sr. e Sra. Smith”), passou discretamente por alguns cinemas norte-americanos para fazer sua estreia no Apple TV+ e, segundo o “NY Times”, trazendo consigo 50 mil novos assinantes. Sinal verde.
Ainda assim, difícil dizer se a estratégia influenciou a retirada de “Lobos” do circuito comercial expandido.
Acho que o filme teria seu público por causa dos nomes envolvidos e pela escassez de blockbusters em setembro. Mas não creio ser uma garantia de sucesso.
Não que Clooney e Pitt não tentem. Os dois trazem o charme esperado para seus personagens, dois solucionadores de problemas que precisam trabalhar juntos para resolver um crime cometido por uma política (Amy Ryan), que pede ajuda quando o jovem que a acompanhava morre em seu quarto de hotel.
A dupla de astros reproduz, de certa maneira, o Sr. Wolf, o “faz-tudo” de Harvey Keitel em “Pulp Fiction” -qualquer semelhança com o nome não é mera coincidência. O problema é que o roteiro de Watts não é suficientemente inteligente ou original.
Watts não é Tarantino.
O bate-e-rebate entre Clooney e Pitt, engraçado no início, logo cansa e fica irritante. Os dois precisam, claro, se unir para resolver o caso, que fica ainda mais complicado quando acham tabletes de drogas na mochila do jovem que deveria estar morto, mas não está.
É quando Austin Abrams (“Euphoria”) passa a roubar as cenas por baixo do nariz de dois dos maiores nomes em Hollywood. De “ defunto de michê” a molecão estabanado que entra numa roubada bem maior que ele esperava, Abrams ajuda “Lobos” a ganhar um pouco mais de ritmo e risadas com um humor mais físico e um monólogo digno de aplausos.
Quando um filme possui George Clooney e Brad Pitt, mas a melhor coisa dele é o coadjuvante semidesconhecido, há um sério problema para ser resolvido.
E problemas agora não vão para o cinema. Terminam no streaming.
Ou, no caso da Warner, no incinerador.
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